Iluminuras: contributo para a dedução da origem

É através do estilo de iluminuras que se obtém a confirmação da origem flamenga do manuscrito, já que o seu estilo é, tal como o refere Van der Straeten (1882), um congregar de todas as características típicas da arte flamenga da segunda metade do século XV.

A fim de reforçar esta ideia, é também possível estabelecer um paralelismo entre o Códice Chigi e outros de origem flamenga, como é o caso do manuscrito catalogado como Vienna, Nationalbibliothek S.M. I5495, mais concretamente através da comparação da página onde surge o proprietário com o seu patrono. 

Chigiana, C.VIII.234, fólio 20r
Vienna, Nationalbibliothek S.M.I5495, fol. 2r

Tal como o observa Kellman (1958), são flagrantes as semelhanças, tanto a nível do esquema da página, como dos motivos que a adornam. Em ambas estão presentes motivos florais que emolduram um trecho musical, e duas miniaturas; na primeira um patrono/anjo em frente a pesados cortinados que ladeiam uma janela, e com o proprietário ajoelhado perante um suporte para um livro, possivelmente de temática religiosa. A segunda miniatura contém o brasão do proprietário do códice.

Mais uma e principal conclusão se pode retirar da comparação entre os dois manuscritos: as iluminuras foram feitas no mesmo scriptorium, o do Mestre do Hortulus Animae.

Winkler (1925) identifica um conjunto de características deste atelier que passam pelo formato semelhante ao de uma avelã das cabeças das personagens, predominantes nas composições, bem como a sua expressividade.

Proveniente do mesmo scriptorium é o livro coral Bruxelas, Bibliothèque Royale 9126, feito para Filipe de Habsburgo e Joana de Aragão, cujo esquema da página do proprietário ainda se assemelha mais ao do códice Chigi.

Chigiana, C.VIII.234, fólio 20r
Bruxelas, Bibliothèque Royale 9126, fólio 2r

Datação

Pormenor do fólio 1r

 “Libro di musiche di varie messe e di mottetti di autori francesi, scritto in Francia, usato in Spagna, che il foglio primo dell’Indice che si trova dà principio è in lingua spagnola siccome ancora i tre ultimi fogli pure scritti in Spagna, circa 1490. La musica è stimata molto buona, le miniature sono bizarre, e di mostri, e di corpi ridicoli per molte margini del detto libro. Quanto al nome Infrangibile, e le armi, che si trovano in esso…”

Segundo o que é inferido por Kellman (1958), esta nota que refere que os três últimos fólios  foram escritos em Espanha, por volta do ano de 1490, está equivocada, já que o motete Quis dabit oculis foi escrito para o funeral de Ana, duquesa da Bretanha, cujo falecimento ocorreu em 1514. Portanto, presume-se que a data das inserções foi posterior a esse ano.

Copistas

Após comparação do Códice Chigi com o manuscrito Bruxelas, Bibliothèque Royale 9126, é observável que a forma, tamanho e inclinação das notas é a mesma, bem como o formato das claves, ou outras indicações decorrentes da escrita musical.

Uma tentativa de identificação do copista do manuscrito Bruxelas, 9126, havia sido feita em 1928 por Van Doorslaer, apontando Martin Bourgeois como o seu calígrafo musical, baseando-se para essa dedução numa nota de pagamento que refere um manuscrito iluminado em velino, com missas e motetes. 

A maistre Martin Bourgeois pbre chappellain du mondit Sr 30 livres 10 solz… pour sa parpaie de 83 livres 6 solz que icellui Sr lui a accordé, octroié, et acordé prenre et avoir de lui pour une fois par appt fait avec lui tant pour lescripture note es vellin dun riche livre de discant contenant 25 quayer de vellin en grant volusme plain de messes, mottetz, et autres choses quil a fait et delivré par le commandement et ordonnances de mond. Sr pour envoyer par lui en don au roy son pere comme plusiers riches histoires, sept cens grandes lettres dor, lyure, tinpaignaige et dorure dud. livre.

Kellman (1958) refere ainda que estes dois manuscritos partilham entre si três obras (Missa Almana de Pierre de la Rue, Missa in myne zyn de Agricola, e Stabat Mater  de Josquin) cujos esquemas de página são idênticos, como por exemplo a forma como as vozes surgem espaçadas nas pautas.

Chigiana, C.VIII.234, fólio 174r
Bruxelas, Bibliothèque Royale 9126, fólio 59r

Proprietário

Besseler (1928) afirma que foi elaborado para a família Van der Hoyen, de acordo com os brasões de armas que surgem no códice, e consultando um livro de Paul Bergman, Armorial de Flandre du XVIme siècle.

Brasão de armas encontrado no códice

No Armorial de Flandre, de facto, existe um brasão correspondente ao do Códice Chigi que pertence a uma família designada somente por Hoyen, e um mesmo para a família Everghem. Já o brasão de armas da família Van der Hoyen, a que se supunha identificada como a original proprietária do Códice, em nada se assemelha ao que múltiplas vezes aparece no manuscrito.

Brasões números 324, 393 e 680 do Armorial de Flandre

Kellman propõe a hipótese de ter sido preparado como um presente da parte de Filipe, duque da Borgonha, para o rei Fernando II de Aragão, o seu sogro, aquando da sua viagem para Espanha.

A reforçar a sua teoria tem o facto de nove dos compositores que figuram no manuscrito tiveram ligação direta ou indireta à corte de Habsburgo: Agricola, Gaspar, e Pierre de la Rue faziam parte da capela da corte de Filipe; Barbireau, Isaac, e Busnois, que estavam associados à capela da corte do seu pai. Mais três, Brumel, Compère e Josquin, poderão entrar na esfera de conhecimentos de Filipe, se considerarmos a sua viagem para Espanha, em 1501.

Isto deixa de fora os dois autores cuja obra predomina no manuscrito, Ockeghem e Regis. Dado que faleceram em 1495 e 1485, respetivamente, Kellman infere que se pode tratar da sua inclusão no manuscrito de uma forma de memorial.

Torna-se numa teoria muito sólida se acrescentarmos as várias partes que se foram inferindo: o facto de o manuscrito ter estado em Espanha após 1514, o facto de o possível copista, Martin Bourgeois, se encontrar ao serviço da corte de Habsburgo entre 1498 e 1522, e ainda o scriptorium do Hortulus Animae ter prestado diversos serviços à mesma corte.

Após todas estas conclusões, inferir a datação deste manuscrito torna-se mais fácil, uma vez que terá sido após a morte de Ockeghem, em 1495, e antes do manuscrito de Bruxelas, já que parece ter servido de modelo para ele, portanto, até 1503.